Sonhos famintos: leitura do conto A Cadeira de Balanço, de Clarissa Loureiro
Parece ter sido feito pra se ler em
voz alta, sentada na velha e confortável cadeira de balanço da minha vó Toinha. Leitora, sento-me num divã em que falo sobre a presença ou ausência
do meu pai na minha vida.
A personagem de Clarissa Loureiro, que não tem nome, está exausta depois de um dia pleno de atividades. Coisa que ela faz todo dia, enche-se de trabalho e no fim do dia, em vez de dormir, desmaia de tanto cansaço acumulado. A exemplo de Ana, em Amor, conto de Clarice Lispector, a personagem de Clarissa Loureiro tenta apagar a flama do dia, não para finalizar sua história, mas para preparar o início de um sonho que vai ter naquela noite.
A personagem de Clarissa Loureiro, que não tem nome, está exausta depois de um dia pleno de atividades. Coisa que ela faz todo dia, enche-se de trabalho e no fim do dia, em vez de dormir, desmaia de tanto cansaço acumulado. A exemplo de Ana, em Amor, conto de Clarice Lispector, a personagem de Clarissa Loureiro tenta apagar a flama do dia, não para finalizar sua história, mas para preparar o início de um sonho que vai ter naquela noite.
O que deverá ser revelado não pode
possuir rédeas, acontece no inconsciente da personagem “seduzida pelo som de
sereia que afundou o meu passado no mais profundo inconsciente noturno”. Ego,
Superego e Id empreendem uma batalha que é narrada numa atmosfera onírica que se
inicia em “O relógio do meu pai ecoa e a velha cadeira de balanço começa a
ranger (...)”.
Conto potencialmente cinematográfico e
repleto de sensações físicas: o vento atinge o peito, o cheiro da pitanga
acaricia os cabelos. Segundo Freud, o sonho é o lugar em que a nossa
consciência não nos alcança, onde se pode fazer o que não foi possível na
realidade.
A personagem, sob hipnose ou transe, em sonho
desce as escadas da sua casa até a saleta em que se encontra a sagrada cadeira
de balanço, lugar em que a então criança se deixou embalar pelo pai, mas sem
nunca adormecer, pois ela estava tomada pelas sensações do corpo do pai, dos
braços, do nariz – “O mesmo nariz fálico que tantas vezes sugou a minha
respiração em sonho.” A personagem vive
a Síndrome de Édipo Feminina em relação ao pai. Bastante óbvio o teor sexual
desejado pela personagem que enxerga um falo no nariz do seu progenitor. Essa
vontade de ter uma relação sexual com o pai é sufocada durante toda a vida da
personagem que é revelada nesse sonho -
“Sou tudo que deixaste e que te volta asquerosamente líquido e quente” . Líquido e quente como o sêmen. Vontade nunca
consumada: “êxtases nunca vividos por
mim”; “homem que não te quis a favor
de uma ideia maior do que tu”.
Como a maçã, a fruta escolhida para
simbolizar o pecado – o incesto – é a pitanga que aparece cinco vezes no conto.
E surgem vermelhas – como a maçã, como o pecado – cheirosas (o cheiro do sexo),
ácidas e profanas. A repetição, de acordo com Freud, é um mecanismo de defesa,
uma estratégia utilizada pelo inconsciente, que deseja escapar de uma situação
recorrente.
Também não é à toa que a personagem
é julgada e punida por “cinco mulheres que não fui”. Mulheres que batem,
arranham, acalentam, acariciam e acordam a personagem. “Toda nudez será
castigada”, vaticinou Nelson Rodrigues.
Todo o texto é percorrido pelo
movimento que a cadeira de balanço empreende à medida em que a personagem vai
adentrando o sonho. A catarse vai
acontecer sim. A cadeira é transformada em divã e que ganha vida ao expulsar a
personagem - “jogando-me de joelhos no chão”. A catarse, depois de vinte anos
da morte do pai, se completa no choro que ocorre no final da narrativa: reconhecimento, alívio e dor. “Horas famintas”, diz a personagem se
referindo aos dias plenos de atividades que a enredam num turbilhão de emoções represadas e banhadas pela exaustão. Doce
exaustão que a impedia de conhecer a si própria, sempre negando o desejo que
nutria pelo pai.
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