O tecer das horas e o bordar das pétalas


                                                                                                                     
Juliette Binoche em cena do filme A liberdade é azul, de Krzysztof Kieslowski 

A tecedora das horas seria o título de uma crônica que versaria, pra variar, sobre um trecho da obra de Clarice Lispector, minha mais doce obsessão. O título se referiria a um fragmento do livro de CL, Um Sopro de Vida (Pulsações). O ato de tecer é mencionado quando o narrador diz que a personagem Angela Pralini não se satisfaz em escrever crônica para um jornal.

Antes de começar a escrever minha crônica para o blog, deparo-me com um texto de uma quase xará de Clarice, a também escritora Clarissa Loureiro, que inicia seu poema sobre a necessidade de bordar:

“É preciso aprender a bordar antes de morrer. Sim, é preciso.”

Alguns chamariam de coincidência o fato de Clarissa começar o poema com o ato de bordar, que tem muito a ver com o ato de tecer. Em vez de coincidência, prefiro chamar o ocorrido de borboleta lírica.

O que fica em mim quando leio esse poema? A sensação de bruma, neblina, mas também de um passeio por um jardim, pétalas lançadas ao vento.E de liberdade. Liberdade que é a ausência de medo. 

Seremos capazes de aprender a bordar? Percorreremos jardins e deixaremos um doce aroma dos erros que cometemos.

Segue o texto de Clarissa Loureiro:

É preciso aprender a bordar antes de morrer. Sim, é preciso.
É preciso aprender a ouvir o tempo,com a serenidade dos velhos, com a acuidade dos animais, com a paciência das mães, com a tolerância das flores.
Quando era mais jovem, ouvi de meu primeiro namorado uma dolorosa saudade: " a tua loucura não te deixa entediar". A ansiosa menina despedaçava as circunstâncias como pétalas de rosas jogadas ao acaso. E deixava um doce aroma de seus erros por onde passava. "Toda loucura será perdoada?" Talvez, na juventude.
O jovem tem o álibi da ignorância do prever, já que não viveu o bastante para observar da cadeira de rodas de sua existência a enfadonha repetição de seus erros mascarados de anseios.
Hoje, sentada nesta mesma cadeira de rodas, aceito minha condição de pítia. Deixo os chinelos ao lado da cama à espera que o tempo melhore, ciente de que nem sempre se pode estar no controle. Saibamos silenciar diante do inevitável.
Se eu soubesse bordar, colocaria minha cadeira diante do entardecer e deixaria a agulha passear por entre meus dedos, parca de minhas sensações.

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