A grande despedida
Edvard Munch: separation |
Hipérbole. Parábola. Quem escreve, às vezes esquece que não são apenas figuras de linguagem. São figuras geométricas. Não é de figura geométrica que quero falar e sim sobre despedidas. Hamlet chorando a partida de Ofélia:
Que atirem
Montões sem fim de terra sobre nós,
até que o chão,
Chamuscando a sua cabeça na zona
ardente,
Torne o Ossa uma verruga! (*) (**)
Ferreira
Gullar quando soube da morte de Clarice Lispector:
Enquanto te enterravam no cemitério
judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós. (***)
W.H. Auden no
filme Quatro casamentos e um funeral:
Parem todos os relógios, desliguem o
telefone,
Evitem o latido do cão com um osso
suculento,
Silenciem os pianos e com tambores
lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto
chore.
Deixem que os aviões voem em círculos
altos
Riscando no céu a mensagem: ‘Ele Está
Morto’,
Ponham gravatas beges no pescoço dos
pombos brancos do chão,
Deixem que os polícias de trânsito
usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu
Leste e Oeste,
A minha semana útil e o meu domingo
inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a
minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: eu
estava errado.
As estrelas não são necessárias:
retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol
desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as
florestas;
Pois nada no momento pode algum bem
causar. (****)
(*) No
original de Shakespeare:
Let them throw
Millions of acres o nus, till our
ground,
Singeing his pate against the burning
zone,
Make Ossa like a wart!
(Hamlet, Ato
V, cena I)
(**) Ossa é o
nome de um monte na mitologia grega.
(***) GULLAR,
Ferreira: Vertigem do dia.
(****) FUNERAL BLUES (W.H. AUDEN)
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