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Mostrando postagens de setembro, 2015

A vida, esse banquete

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“A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a tolha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maças vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas, maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam esperar pelo instante em que seriam esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse.” = Clarice Lispector. Felicidade Clandestina. A repartição dos pães, p. 98. Francisco Alves editora, 1994, 8ª edição.

O melhor delito do mundo

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Judith Leyster: duas crianças com um gato. 1629. Um crime afiançável com certeza! “Quem nunca roubou não vai me entender. Quem nunca roubou rosas, então, é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.” Clarice Lispector em Felicidade clandestina . Conto Cem anos de perdão , p. 68, 1994, 8ª edição, Editora Francisco Alves.

Tem que ser Clarice! É um chamado! Preciso atender!

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Os dois saltimbancos. Pablo Picasso. Paris, 1901 Em algum ponto deve estar havendo um erro: é que ao escrever, por mais que me expresse, tenho a sensação de nunca na verdade ter-me expressado. A tal ponto isso me desola que me parece, agora, ter passado a me concentrar mais em querer me expressar do que na expressão ela mesma. Sei que é uma mania muito passageira. Mas, de qualquer forma, tentarei o seguinte: uma espécie de silêncio. Mesmo continuando a escrever, usarei o silêncio. E, se houver o que se chama de expressão, que se exale do que sou. Não vai mais ser: “Eu me exprimo, logo sou.” Será: “Eu sou; logo sou.” | Clarice Lispector. A descoberta do mundo, p. 270 | Arte: Os dois saltimbancos, Picasso, Paris, 1901