Clarice Lispector e a poesia de Emily Brontë
Um dia desses eu acordei com uma moleza de gripe e depois
do café voltei pra cama. Achei então que era um bom momento para ler as poesias
de Emily Brontë (e com trema). Como ela me compreende, Lúcio, tenho vontade de
dizer assim.
Há tanto tempo eu não lia poesia, tinha a impressão de ter
entrado no céu, no ar livre. Fiquei até com vontade de chorar mas felizmente
não chorei porque quando choro fico tão consolada, e eu não quero me consolar
dela; nem de mim.
Você está rindo? – Fez há uma semana mais ou menos um grau
abaixo de zero. Alguns dias depois desconfiei que o tempo estava bom e fui para
a terrasse. Ainda estava frio e
ficará assim até março, mas estava tépido e fresco, com um perfume que só se
sente mesmo depois do inverno por causa das folhas que desde o começo caem e
ficam no chão.
Eu respirei tanto que Deus me castigou e por isso no dia
seguinte eu estava com a moleza de gripe e li Emily Brontë... Você vê que as
coisas se completam perfeitamente na Itália.
= = Em “Clarice, uma vida que se conta”, de Nádia Batella
Gotlib, p. 201. Trecho de carta para Lúcio Cardoso, que traduziu Emily Brontë.