O senhor agora vai mudar de corpo
Cada
palavra era como cuspir uma pedra. Uma pedra de fogo.
... tecem
a roupa da morte. A noite inteira se
derramará sobre o corpo.
Viver
não é apenas perigoso, é, principalmente, milagroso.
...
diante de um céu azul, exageradamente azul.
...
gigante mundo em quatro paredes.
...
campo minado de confissões.
– Vamos os dois sambar na avenida, com uma
biblioteca debaixo do braço.
Sem as
palavras não poderá se salvar.
Estive em alto mar durante toda a leitura de O senhor vai mudar de corpo, de Raimundo
Carrero. As frases acima foram retiradas do mais recente romance do escritor e fragmentadas
ou não, são como salva-vidas lançados pela escrita que muitas vezes me provocou
uma certa vertigem.
Então não é à toa que Carrero traz Herman Melville e seu
Moby Dick nessa narrativa plena de corpo.
O livro é aberto com uma frase de Clarice Lispector: “O
corpo é a única certeza que nos acompanha até a morte.”
Então também não é à toa que o escritor traz Perto do coração Selvagem para tão junto
de nós, os leitores. No finalzinho, a personagem central de Clarice, Joana,
parte em viagem e tem o mar diante de si.
Entrelaçadas obra e vida; ficção e realidade, O senhor vai mudar de corpo é uma obra inteira,
de um escritor que se desnuda e revela a imensidão do ato de criar e o severo
medo de um dia deixar de fazê-lo.
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